sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Por que eu larguei a pirataria. E por que eu deveria voltar.


Quando o assunto é pirataria, todo mundo já sabe que a discussão vai dar pano pra manga. É claro, o tema divide opiniões em todos os sentidos. O objetivo desse artigo é apresentar as motivações pessoais que me levaram a abandonar de vez a pirataria e quais as tentações que sempre me puxam de volta para o lado negro da força.
Antes de tudo, vamos ver o significado da palavra, segundo o Dicionário Houaiss:
pirataria – ato de copiar ou reproduzir, sem autorização dos titulares, livros ou impressos em geral, gravações de som e/ou imagens, marcas ou patentes, software etc., com deliberada infração à legislação autoral.
Muito bem, agora que aprendemos o que significa a palavra em nosso idioma, talvez devamos deixar a hipocrisia de lado pelo menos por este parágrafo e assumirmos o fato: somos todos piratas. Meu caro leitor, você deve estar desconsertado pensando: “Mas eu compro todos os meus jogos originais!!!”. Tsc, pois é, meu amigo leitor, mas e os ringtones do seu celular? E os MP3 do seu iPod? E aquele filme que você assistiu com a namorada no final de semana, é, aquele que você baixou via Torrent? E você se lembra daquele capítulo que o professor de sua universidade pediu para você buscar no xerox? Desculpe-me, mas o professor de sua tão renomada universidade também é um pirata.  Pra você que esteve em coma nos últimos vinte anos e acabou de acordar, sinto lhe informar, mas nosso país foi tomado pela ideia de quecópia não é subtração (roubo).  E eu me incluo nesse meio. Eu admito, sem delongas, que sou um pirata.
Apesar disso, tenho cada vez mais me convencido que produtos originais valem mais a pena. De alguns anos para cá tenho aumentado a aquisição de produtos originais dos mais variados tipos incluindo games, softwares, MP3, filmes e livros.  E eu não estou sozinho nessa. É uma onda que está crescendo no país. Com a classe média emergente, com o acesso a uma renda maior e com o dólar em baixa fica mais fácil comprar produtos originais, mesmo custando até vinte vezes o valor do pirata. Na real, a pirataria vem perdendo uma parcela de clientes justamente porque eles mudaram de classe social e por isso preferem um produto de melhor qualidade.
Agora, meu fiel leitor deve estar se perguntando: “Você quer dizer que só quem é pobre compra pirata?”. Pois é, tudo indica que a pirataria está aí para “suprir” aqueles que não têm grana pra comprar os originais. Sabe o nome que a prefeitura dá aos camelôs de minha cidade, abarrotados de produtos contrabandeados e piratas? “Centro Popular de Compras”. É o paraíso sem lei, sem nota fiscal, onde tudo é possível, pois mesmo aqueles que não possuem o poder aquisitivo, podem ter uma bolsa da Louis Vuitton, um relógio Cartier ou um perfume Chanel. É a fronteira entre a lei do direito autoral e a liberdade de compra, de acesso.
Mas, ricos também compram, mas por outro motivo, porque são espertos. Um argumento que lido diariamente por quem defende a pirataria é que se você paga por algo que tem no camelô vinte vezes mais barato ou de graça na Internet é porque você é burro ou idiota mesmo. O acesso ao produto pirata nesse país é tão fácil, mas tão fácil, que só paga pelo original quem for um imbecil mesmo. Quando fui comprar meu PS3 em 2009, um amigo meu já começou a conversa perguntando: “Ele já vem destravado?”. Eu respondi com a cabeça baixa já me sentindo um perdedor: “Cara, não tem como destravar o PS3. O esquema é comprar games originais”. Meu amigo chorou de tanto dar risada, dizendo como eu era um idiota, pois o XBox e o Wii já estavam destravados e por isso os games desses consoles custavam 10 reais! Outro colega meu disse: “Eu só jogo videogames se for de graça. Não gasto dinheiro com essas besteiras”.
Agora meu leitor inteligentíssimo vai perguntar: “Você quer dizer que só quem é esperto compra pirata?”. Infelizmente no país em que você nasceu, ser esperto é tirar vantagem até de vaga de estacionamento para idosos. É levar seu filho de cinco anos no colo para ser atendido mais rápido no banco. É pagar dez reais no self-service à vontade e sair do restaurante mancando de tanto comer para não precisar jantar. É triste, mas infelizmente isso faz parte de nossa cultura e se você escolheu pagar 180 reais por um jogo de PS3, sim, você é um idiota.
Eu sei que já está parecendo que o autor desse artigo que vos escreve está colocando toda a culpa no povo brasileiro. Mas eu tenho meus motivos. Em 2009 morei por um mês em Nova York. É pouco tempo em comparação aos 33 anos que moro no Brasil, mas esse um mês foi o suficiente para mostrar alguns cânceres de nosso povo. Vou contar uma breve historinha. Estava eu, num McDonalds de sempre, quando pedi um refrigerante ao caixa. Paguei e ela me deu um copo vazio, a tampa, um canudo e me apontou a máquina de refrigerantes que ficava do lado de fora do balcão. Eu, brasileirão esperto que não desiste nunca, já perguntei ao caixa “Posso encher o copo quantas vezes quiser?”, na sequência, o caixa espantado respondeu “Claro que não!”. Todo envergonhado fui até lá, enchi meu copo, sentei e comi bem quietinho no meu canto. Mas percebi que se eu quisesse eu poderia levantar e encher de novo. A questão é que ninguém fazia isso. A máquina estava lá, do lado de fora e todo mundo enchia uma só vez. Foi o DNA brasileiro em ação. Histórias de espertezas brasileiras pelo mundo são comuns e, acreditem, fazem nossa fama lá fora.
O resumo da história, é que no Brasil, se você consome produtos piratas, ou é porque acha um absurdo os preços dos originais, então você se enquadra na categoria de “pobre“, ou porque acha que só um idiota pagaria por algo que tem de graça na Internet, então você se enquadrara na categoria de “esperto“.  Se pirataria é certo ou errado, é papo para outro artigo, não pretendo discutir isso aqui. O fato é que a lei é clara, pirataria é crime, tanto consumir como distribuir. Eu estou saindo aos poucos desse barco furado de piratas e partindo para o cruzeiro da legalidade. E os meus motivos também são claros:
  1. Eu tenho dinheiro: Não adianta discutir, para consumir produtos originais você precisa ter dinheiro para sustentar isso. De graça não rola e com os impostos tudo fica mais caro. Então se você quer começar a consumir originais, prepare o bolso.
  2. Eles merecem: Eu sou designer gráfico, todos os dias vendo o produto do meu intelecto e fico puto da vida quando alguém resolve copiar um trabalho meu sem minha autorização. Então eu entendo o que significa isso. E se eles fizeram um bom game, por que não pagar? Eles merecem.
  3. Melhor qualidade: Produtos originais vêm na embalagem correta, com encartes, em mídia de qualidade, são duráveis, são completos, funcionam perfeitamente. São os produtos que foram feitos para serem consumidos. Os piratas dão pau, são difíceis de atualizar, podem vir com vírus e geralmente são distribuídos em mídias da pior qualidade.
  4. O direito de exigir qualidade: A partir do momento que eu estou comprando aquele produto, eu exijo que ele seja de qualidade igual ou maior da que foi anunciada. Se eu comprei um pirata, vou reclamar pra quem? Pro china que me deu três dias de garantia?
  5. Ser seletivo: Na época do PS2 eu tinha mais de 250 jogos, todos “alternativos”. Perguntem-me quantos eu joguei até o fim? No máximo vinte ou trinta. Quando você paga por um game, você pensa um pouco antes de gastar 200 reais e isso o torna mais seletivo. Tenho certeza que sua biblioteca atual possui uma porcentagem maior de jogos entre bons e ótimos e quase 100% você jogou até o fim.
  6. Interação: Estar na legalidade significa poder desfrutar de todos os recursos do produto sem dever nada a ninguém. Você pode se conectar na rede, não será banido e poderá jogar online sem medo. O pirata só te proporciona a experiência singleplayer e olha lá.
Eu tenho me convencido cada vez mais que produtos originais são o caminho correto para melhorar o mercado, fortalecer a comunidade e exigir seus direitos de consumidor. Quem consome pirata não tem direitos!
Bom, mais ou menos…
De uns tempos pra cá, tenho me decepcionado profundamente com o mercado de videogames. Algumas produtoras, na tentativa frustrada de barrar a pirataria e o comércio de usados, estão implantando em seus games intrusivas técnicas de bloqueios que prejudicam (e enfurecem) apenas um único público: aquele que paga o preço de um jogo original. Não preciso nem dizer que emprestar, trocar ou vender um jogo usado é uma prática totalmente legal, além de ser saudável para a comunidade e para o mercado.Minha suspeita é que essas produtoras estão vivendo numa bolha, num mundo dos sonhos, imaginando que piratas são aqueles caras com uma mão de gancho, um papagaio no ombro, saqueando navios e cidades litorâneas. E já que todos somos piratas, então eu me candidato a explicar:
  1. Não tem como rastrear: As produtoras sempre chegam com slides sobre quanto eles deixaram de ganhar com a pirataria, mas quer saber? Não dá pra saber. A pirataria é tão grande e tão difusa que não dá pra saber o quanto eles perderam. E tem mais, vocês acham mesmo que um DRM* vai converter um pirata a comprar um original?
  2. DRM nunca dificultou a pirataria: Eu baixei e comprei muitos jogos e softwares piratas e nunca tive nenhuma dificuldade em instalar ou consumir esses conteúdos. Saem no mesmo dia do lançamento sem absolutamente nenhuma dificuldade para os hackers. DRM’s são inúteis e ultrapassados.
  3. DRM não traz dinheiro: Então a lógica é simples, se o DRM não impede a pirataria (acreditem, DRM nem arranha a pirataria) ela impede e prejudica quem? Justamente o consumidor que um belo dia resolveu jogar seu precioso game off-line. Leiam essa história.
  4. Online Pass não faz diferença: O pirata joga em servidores hackeados que não precisa de passes. O Online Pass é uma praga que chegou para ficar e para acabar com o mercado de usados (tema para outro artigo inteiro). Mas dizer que o Online Pass foi implantado para acabar com a pirataria  é quase uma ofensa, uma mentira cabeluda.
  5. Convença o pirata a comprar o original: O pirata hoje é um homem feliz, ele não gasta um centavo, tem o game completo sem DRM’s e joga em servidores alternativos. Como fazer com que ele compre o original e desfrute de suas vantagens? DRM e Online Pass são passos para o caminho errado.
O grande problema é que DRM’s e Online Passes estão se tornando um padrão da indústria e o bode expiatório são os piratas. E esse novo padrão fechado da indústria só incentiva cada vez mais o mercado de piratas. São tentações que todos os dias me convidam a voltar a ser um pirata. Eu também tenho os meus motivos, e são apenas dois:
  1. Eu nem sempre tenho dinheiro: Os preços de jogos de videogames no Brasil estão assustando. Já ficou claro que esses preços só dependem de vontade das indústrias se dedicarem ao mercado brasileiro. A Microsoft, líder em produtos piratas no país, já deu o seu recado e mostrou comoincentivar um pirata a comprar originais.
  2. Nem sempre eles merecem: As produtoras estão pegando um costume de lançar jogos inacabados, lotados de bugs, DRM’s, Online Pass, com campanhas curtíssimas e com problemas dos mais diversos tipos. É aqui que o pirata salva a minha vida, pois fico feliz em saber que não virei beta-tester do jogo que ia comprar. E assim acabo não jogando nem o original e nem o pirata.
Como podem ver, eu tenho mais motivos para comprar um game original do que um pirata. Mas o desejo é grande, porque o pirata seduz e o original afasta. As técnicas que a indústria de videogames vem usando contra a pirataria e a baixa qualidade dos games mais recentes estão cada vez mais me afastando dos originais. Tudo isso só me parece mais uma forma gananciosa de tirar mais dinheiro do seu fiel público, porque, no final das contas, a pirataria estará sempre lá, de graça, aos pobre e aos espertos.
A sigla DRM – Digital Rights Management significa Gestão de Direitos Digitais. Todo material digital, softwares, música, videogames, entre outros possuem técnicas de proteção de cópia, são chamados de DRM. Os DRM’s estão presentes em todas as plataformas de jogos. No caso do PS3, seu DRM foi quebrado apenas em abril de 2011. Leia mais.
Danilo Salvego: Artista visual, designer gráfico e fotógrafo, é graduado pela Faculdade de Artes Visuais da PUC Campinas. É apaixonado por videogames desde seus seis anos de idade quando teve contato com um Atari na sala de sua casa. De lá pra cá joga de tudo: iPhone, Facebook, Steam, PS3. Amante de grandes pedaladas de bike e dono de palavras polêmicas é conhecido como um anti-qualquer-coisa. Mas é bom rapaz e um ótimo jogador de Tetris.

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